Review: Design Thinking Conference 2019

DTG Brasil
12 min readOct 24, 2019

Tenho a melhor das intenções ao tentar expressar nas linhas abaixo o que foram os 2 dias da edição de 2019 da Design Thinking Conference, mas sinceramente é impossível. O que posso dizer é: vá a DTC 2020 para ver, participar, conectar e principalmente sentir essa experiência por conta própria. Eu já tinha decidido que iria esse ano no final da edição do ano passado e foi a melhor coisa que eu fiz. A edição desse ano conseguiu superar a do ano passado que já tinha sido incrível.

A DTC é diferente de qualquer outra conferência. Principalmente por não ter conteúdo técnico sobre Design Thinking. Não é sobre aprender a fazer pesquisa ou facilitar workshops. A inspiração conceitual da DTC é o teatro e de fato ela acontece uma estrutura de teatro. As falas dos “atores”, predominantemente de mulheres, então “atrizes”, são sobre experiências, que de alguma forma perpassam o conceito de Empatia que é o grande fio condutor da conferência. Por exemplo, o depoimento emocionante da jornalista Roos Shlikker, sobre sua relação com sua mãe, uma aula de storytelling. O manifesto corajoso da professora Kalwant Bhopal sobre privilégio branco e racismo, que fez muita gente repensar o seu papel na sociedade. Os experimentos de escuta ativa da doutora Puleng Makhoalibe, que provocou conexões profundas entre os participantes. Além da maravilhosa Jeanne Liedtka, autoridade máxima no assunto, que nos levou a uma reflexão importante: as vezes precisamos abrir mão do Design Thinking em prol do cliente. Também tiveram workshops incríveis, os breakout sessions, como o Music Thinking do músico e consultor Christof Zürn, que literalmente construiu uma orquestra com 80 pessoas, nenhuma delas músico profissional. Também houve momentos de conexão profunda entre as pessoas, que inspiradas na estética do teatro, na proposta horizontal do evento e nas falas emocionantes estavam verdadeiramente abertas a se escutarem uns aos outros. E amarrando tudo isso com maestria o Jedi do Service Design e ator Adam Lawrence entrou em cena, e te falo, eu não quero ir em mais nenhuma conferência se ele não estiver apresentando.

Antes de tudo, essa é uma conferência sobre conexão

A capacidade que a DTC tem de conectar as pessoas é absurda. Muito além das típicas conexões de troca de cartões e “vamos marcar uma call”. As conexões que eu fiz e vi acontecerem com outras pessoas foram muito mais profundas.

Começa com o seu “buddy”, a pessoa com a qual a DTC te conecta logo no credenciamento. Você recebe o nome de alguém, que é o seu buddy e sua primeira missão é encontrar essa pessoa no evento, o que por si só já te faz conversar com várias pessoas. Durante os 2 dias da DTC vários momentos são separados para que você e seu buddy conversem e reflitam sobre o que acabaram de presenciar e sentir. Minha buddy esse ano foi Heidi Wolters, uma pessoa incrível, mãe de dois filhos, designer gráfico, amante de arte e fotografia e moradora de uma cidadezinha no norte da Holanda chamada Wolvega (que um dia ei de conhecer), onde ela está tentando usar Design Thinking para facilitar a colaboração dos moradores para o desenvolvimento turístico do povoado.

Mas o buddy está longe de ser a única conexão estimulada pela conferência. Durante vários momentos as pessoas foram provocadas a falar sobre assuntos profundos e difíceis com algum desconhecido. E fora esses momentos o “coletivismo” da conferência é tão intenso que até os mais tímidos, como eu, se sentem encorajados a conversar e trocar importantes reflexões com alguém que não conhece durante os intervalos e almoços.

E toda essa conexão entre as pessoas não acontece por um acaso. Logo na largada o apresentador desse ano, Adam Lawrence deixa claro que todos ali em seus diferentes papeis SÃO a conferência, não somente os atores ou breakout leaders. O que tem uma harmonia perfeita com o tema da conferência “Though different eyes” que conecta com o tema geral da conferência que é Empatia.

Esse ano o formato foi de arena, ao invés de palco grande e cadeiras dispostas a frente como foi nos anos anteriores. Dessa forma, os atores ficaram rodeados pelas pessoas, que tinham a possibilidade de se ver, o que foi muito interessante, ainda mais somado à atmosfera do Tobacco Theater, que é um teatro diferente e exótico no coração de Amsterdam. Um ponto muito relevante para a estrutura é a presença da catch box, um microfone de pelúcia incessantemente jogado de um lado para o outro para que todos tenham a chance de falar, esse ano comandado pela Marjolein van Eersel.

Adam Lawrence, o apresentador desse ano também merece um parágrafo a parte, pela sua capacidade de cativar, representar, explicar, provocar e conectar os diferentes temas, pessoas e a programação. O cara é um ator profissional e também é um profundo conhecedor, pesquisador e praticante na área. Ou seja, ter o Adam apresentando uma conferência de Design Thinking que busca inspiração em teatro é ter o melhor dos mundos em uma mesma pessoa. O nível da facilitação e do gerenciamento da experiência foi sem sombra de dúvidas um dos pontos altos do evento.

Não poderia deixar de citar o sensacional Peter Quirijnen e seus cartuns, marcando presença novamente esse ano. O papel dele é traduzir com imagens irônicas e críticas o que se passa no teatro. E vou te dizer, eu nunca vi um facilitador visual com o talento desse cara.

“No life without empathy?”

Será possível que empatia não seja uma habilidade exclusivamente humana? Foi essa a reflexão da jornalista Esther Thole. Se empatia é um sistema de “reconhecer sinais, processa-los, interpreta-los e responde-los” ou um “modelo de evolução onde coletivizar é a única maneira de sobreviver”, empatia pode não ser praticada apenas por seres humanos, mas também por outros animais e até bactérias. Ou seja, empatia é um comportamento dos seres vivos.

“It’s difficult to do nothing, it’s very easy to do something”

Stefan van der Stigchel, velho conhecido da DTC, trouxe algo inédito esse ano. E posso até estar errado, mas acho que para todos ali presentes. Ele falou sobre como é importante “não fazer nada” para que o nosso cérebro mantenha a capacidade de ter foco e prestar atenção. Segundo ele “se você de distrai toda hora você aprende menos”. Em tempos de notificações pipocando o tempo todo no bolso, provocando nossa distração, quer assunto mais pertinente que esse? Então ele soltou a missão inédita e épica a ser cumprida pelas pessoas nos 20 minutos seguintes. Algo nunca antes feito em qualquer conferência que se tenha notícia (se eu estiver exagerando, me conte). Stefan deu as pessoas 20 minutos para que não fizessem nada. Absolutamente nada. Ou seja, não era permitido olhar o celular, ou ficar andando, ou lendo, ou escrevendo, ou qualquer outra coisa. A tarefa foi ficar 20 minutos parado fazendo absolutamente nada. O que são 20 minutos sem fazer nada? Parece tão simples, mas ao mesmo tempo, na prática, tão complexo. Qual foi a última vez que você ficou 20 minutos sem fazer nada? Bom, se você não medita, provavelmente você sequer se lembra. Pois bem, lá estava eu tentando fazer nada e ficando altamente desconfortável e ansioso. Tive a ideia de meditar, fazendo um exercício com a respiração que aprendi em Singapura. Comecei o processo e quando dei por mim os 20 minutos tinham terminado. E o Stefan estava certo, foi impressionante perceber como minha capacidade de atenção aumentou após esse período. Ele irá publicar um livro sobre o assunto pela MIT, vale acompanhar.

“White privilege as a manifestation of power”

O assunto seguinte foi o privilégio branco em uma fala precisa, clara, dura e necessária da professora Kalwant Bhopal, uma inglesa de etnia indiana que sofreu vários episódios de racismo em sua vida. Inclusive, ela escreveu um livro sobre o tema: White Privilege: the myth of a post-racial society. Ouvi gente dizendo que a “tática” de jogar na cara de pessoas brancas o fato do privilégio branco é sistêmico na sociedade não resolve o problema. Bom, pode até não resolver diretamente, mas com certeza ajuda o tema a ser debatido, o que já é um começo.

Hora de breakout session e finalmente eu pude participar de um workshop de Music Thinking, o framework de criatividade incrível criado pelo holandês Christof Zürn. Como amante de música e criatividade, eu não consigo sequer descrever o quão importante essa experiência foi pra mim. Na dinâmica, ele orquestrou cerca de 80 pessoas, nenhuma delas músico profissional, para que colaborassem em duplas e depois em sextetos para juntos criarem um som único a partir de sons que elas conseguissem fazer com as mãos, a boca ou com objetos. Que dinâmica poderosa para mais uma vez conectar pessoas e faze-las amplificar sua criatividade. Inclusive, ele me disse que tem feito dinâmicas parecidas em empresas para ajudar na conectar times e quebrar os silos de departamentos.

“Encourage the listener with your presence. Embrace their humanity. Enable them with your presence. Empower them to share more. Emotionally connect with the story. Engage with the story. Enjoy the story.”

E para fechar o primeiro dia em grande estilo a doutora Puleng Makhoalibe trouxe da África do Sul o conceito que desenvolveu em seu livro The Alchemy of Design Thinking, uma série de experimentos sociais sobre escuta ativa para provocar conexões e trocas de emoções. E no que diz respeito as trocas que fiz com diferentes pessoas durante a intervenção ela foi muito bem-sucedida. Tanto que vi algumas pessoas indo as lágrimas de maneira muito espontânea, pelos assuntos pesados que acabaram surgindo nas conversas.

Eu acabei esse dia pensando o quanto foi bom estar lá novamente esse ano, pois eu pensei que somente o conteúdo seria diferente do ano passado e eu não poderia estar mais enganado.

“Showing empathy means having guts. Guts to look beyond what you see in front of you. To be open to the vulnerabilities of each other. And your own.”

O segundo dia começou com uma aula de storytelling. A holandesa Roos Schlikker fez um depoimento sobre a sua relação afetiva com a sua mãe, que tinha problemas psiquiátricos. Sem dúvida, foi o momento mais emocionante da DTC, levando algumas pessoa e a própria Roos a chorar, que é justamente a razão do trabalho autoral dela, demonstrar nossas vulnerabilidades, não como sinal de fraqueza, mas de coragem.

Chegou a hora de um momento muito importante pra mim. A convite do meu amigo Jeroen van der Weide, um dos organizadores da DTC, facilitei um dos breakout sessions. Trouxe como tema o título de um artigo publicado no site da Epic: Imposter Ethnographer: The Value of Feeling Like an Outsider. Pesquisa exploratória é umas das etapas que mais gosto de fazer nos projetos por diversas razões, mas eu diria que a principal é a oportunidade de escutar e dar voz para os clientes dentro das empresas. O artigo que me inspirou fala sobre como o etnógrafo trás uma contribuição importante para o entendimento do “outro” por trazer um olhar de fora, sem os vieses que os envolvidos no contexto possuem. Em outras palavras assumir o papel de “outsider” é importante para o etnógrafo, daí o termo “imposter”, como alguém que não pertence aquele universo, que para entender o que está acontecendo se infiltra mantendo o olhar crítico. O workshop teve gente da Ucrânia, Bélgica, Arábia Saudita, México, Estados Unidos e Holanda. O exercício foi sair pelas ruas do centro de Amsterdam para realizar algumas “missões” inusitadas que eu preparei para eles, que basicamente giravam em torno de descobrir histórias interessantes de pessoas desconhecidas. Eles tiveram que fazer isso em duplas, exatamente como fazemos nas imersões exploratórias. Na volta eles compartilharam as histórias, surpresas e emoções de observar e iniciar conversas com pessoas estranhas com uma abordagem completamente diferente de uma entrevista convencional e como isso foi potente para eles. Foi uma experiência e tanto.

Após outras oportunidades de conectar com mais pessoas e trocar mais experiências com os buddys a DTC chegou na reta final com duas falas muito importantes para a narrativa da conferência. O intuito é fazer as pessoas reflitam sobre si mesmas e sobre o lugar do outro com falas absolutamente não técnicas até aquele momento. E as falas finais buscam conectar os diversos pontos de vista que as atrizes trouxeram com o papel do Design Thinking na sociedade.

“When you start to develop your powers of empathy and imagination, the whole world opens up to you”

A finlandesa Cristina Andersson trouxe uma importante reflexão sobre a relação entre empatia, robôs e inteligência artificial. Ela falou sobre como a promessa de revolução do Quantum Computing (computadores que operam de uma forma completamente diferente dos computadores normais, manipulando partículas onde é possível obter uma combinação de 0 e 1 ou seja uma computação não binária) pode nos levar a um novo ponto de disrupção tecnológica até então inimaginável. Só que a contribuição da Empatia nesse contexto é muito importante, pois em um novo paradigma de infinitas possibilidades, o que nos fará direcionar o foco para de fato melhorar a vida das pessoas?

No último breakout session pude entender como foi a experiência do programa Creative Leadership criado pela DTA. O assunto me interessa bastante, pois tenho vontade de replicar o programa no Brasil e eu tinha acabado de fazer a certificação em Agile Leadership na Finlândia. Pra mim, o mais interessante foi notar o ponto de interseção entre os dois programas, em que antes mesmo de aprender qualquer skill de liderança ágil ou criativa, é preciso aprender skills para se conhecer melhor, entender qual é sua própria visão de mundo e seus vieses. Isso é fundamental para ser um bom líder.

“Think of a George in your life. How can you do a better job of giving design away to him or her?”

E então a última “atriz” entra na arena e a escolha não poderia ter sido melhor. A doutora Jeanne Liedtka, referência absoluta na área, fez a explicação mais simples e didática que já vi na vida sobre o porquê de o Design Thinking ser tão relevante. Até então para mim Mark Stickdorn tinha sido o cara mais didático a explicar a abordagem (sorry Mark, you lose :-P). Utilizando do subterfúgio de storytelling, ela contou a história do clássico cliente cético, que tem diversos problemas na sua organização, mas que teima em tentar resolve-los da mesma forma como as consultorias tradicionais ditam desde os anos 80, evidentemente fracassando tentativa após tentativa. Ela o chamou de George. Jeanne conseguiu amarrar a narrativa da DTC com a seguinte conclusão: “Eu sei que vocês amam o que fazem, mas Design Thinking não é para vocês, é para ajudar esse cara. Então parem de tentar vender Design Thinking e ajudem o George a resolver seus problemas.”.

Bom, se você chegou até aqui e gostou, eu te garanto não é nada comparado ao que aconteceu nesses dois dias. Não digo isso por ser um evento da empresa que represento, ou por ter feito parte da programação. Vou ser sincero, tem algum tempo que não tenho mais paciência para palestras e conferências. Algumas vezes são as falas em si, excessivamente técnicas, ou rasas de mais ou cheias de jabá, mas mesmo o conteúdo sendo bom, o formato palco/público me incomoda bastante. Além disso, odeio forçação de barra de dinâmicas com o propósito de fazer as pessoas chorarem.

Então se você assim como eu já está rabugento com esse universo de palcos, palestras e conferências, te digo, a DTC é um contraponto a tudo isso, uma experiência que pelo menos pra mim foi e tem sido marcante.

Até a Design Thinking Conference 2020!

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Esse artigo foi escrito por Eduardo Loureiro, Managing Partner da DesignThinkers Group e da DesignThinkers Academy no Brasil.

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